sexta-feira, 5 de março de 2010

CUNHÃ

Cunhã é o novo espetáculo teatral do grupo espaço alternativo Pombal Artes e trás a marca distintiva da originalidade de sua linguagem e de seu conteúdo.
A originalidade de seu conteúdo é marcada por uma nova temática e uma nova visão de mundo sobre os indígenas Amazônicos-Brasileiros.
Ao contrário do teatro seiscentista de conversão, através do qual Pe. José de Anchieta tematizou os indígenas na floresta e no passado, o teatro do grupo Pombal tematiza os indígenas na cidade e no presente. Seu objetivo, enquanto visão de mundo, não é convertê-los ao cristianismo, como queria Anchieta, mas torná-los cidadãos de seus destinos, valorizando seus valores e suas tradições mesmo dentro da cidade. Esta é a originalidade de seu conteúdo.
Por outro lado, correspondente a esta originalidade temática, há também uma originalidade formal.
O grupo Pombal, também ao contrário da fórmula de Anchieta, não encaixa a temática indígena dentro da fôrma do teatro grego. O grupo Pombal procura, aliado ao conteúdo indígena, criar uma forma de arte cênica que associe teatro grego e ritual indígena, sem hierarquia de valores, mas naquilo que há de mestiço ,de caboclo, na natureza social da Amazônia .
No resultado final, produto de uma história que inclui espetáculos como Poronominari, Saga Munduruku, Furo de Olho, As Filhas de Yepá e Genoma, temos agora Cunhã.
Ela não é mais apenas uma artista e mulher, etnicamente marcada, lutando com os valores do seu povo da floresta para sobreviver na selva de pedra. Mas uma mestiça indígena-cabocla, que perdeu seus valores para a industrialização de Manaus nos anos 60, 70 e 80 do século XX e que, agora, na transição para o século XXI,tenta recuperar valores da tradição milenar da floresta para viver numa cidade industrial, frenética e corrupta, mas dentro da mata.
Assim é Cunhã, que parece Cunha, mas não é. É uma bayaroá, uma artista indígena-cabocla, que começa a história com estes valores das culturas arawak, dashé, tupi, maguta, yanomami e latina renascentista, perde-os para os valores do capitalismo industrial, com a instalação do pólo multinacional da Zona Franca, mas recupera-os com o fim da globalização e início da retomada das identidades regionais na Ásia, África e America Latina.
Cunhã , ao final, mesmo retomando uma identidade regional, universaliza-se, pois , na verdade, serve de modelo para outros povos oprimidos, em outras regiões do planeta, recuperarem, renovadamente, seu caminho interrompido pela ética interesseira e antihumana do capitalismo globalizado em busca da dominação de novos mercados e da escravização de novas mentes.
Cunhã , texto de José Ribamar Mitoso e Luiz Vitalli,talvez, por isso, não seja apenas arte cênica. Talvez , por isso, seja também não um exemplo,mas uma lição.

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