sexta-feira, 16 de abril de 2010

ANÍSIO: SILÊNCIO OBSEQUIOSO

Quando morre um artista, fala-se sobre quase tudo, menos do seu ou dos seus estilos. A vida é esquadrinhada por inteiro. A obra pela metade. Ambas pela superfície.
Na passagem de Jorge Amado, escrevi um artigo lembrando que estavam debitando sua obra apenas na conta da Bahia. Disseram: " Amado revelou a Bahia para o mundo"; " A Bahia foi a inspiração de Amado"; " O cheiro, as cores, o sabor do acarajé" e até " a fragência do xibiu das negras baianas" ,tudo estava na obra de Amado. A questão é que tudo isso também estava na obra de outros autores, inclusive Gregório de Matos Guerra ( barroco), Castro Alves ( romantismo), novos baianos (tropicalismo) e em João Ubaldo Ribeiro ( realismo dos foclores regionais ou regionalismo universalista, como preferia Guimarães Rosa).
Ninguém comentou as fases estilísticas de Amado. Cacau e Suor ( realismo proletário); Capitães da Areia ( realismo crítico); Subterrâneos da Liberdade ( realismo socialista zdanovista) e Gabriela , Cravo e Canela, Tenda dos Milagres e São Jorge dos Ilhéus ( realismo dos folclores regionais , com a introdução do humor, do sexo e do folclore religioso).
No sábado passado, com a passagem do amazonense Anísio Mello, aconteceu a mesma coisa. Artista plástico, poeta, professor e organizador da cultura, Anísio chegou a ser chamado de "artista completo", "grande poeta e grande artista plástico" , mas ( está adversativa é própria das mentes limitadas e fragmentadoras) foi mesmo "um grande professor , formador de gerações". Esqueceram apenas de falar do que importa para um artista. Esqueceram ou não souberam falar do seu estilo.
Como escritor, como mestre em literatura e como organizador da cultura, recuso-me a julgá-lo por aquilo que tinha de igual. Inclusive foi o primeiro presidente do Sindicato dos Escritores, o qual presidi por quatro anos. Como pós -graduado em Estética e Filosofia da Arte (USP) , gostaria mesmo é de falar do que conheço apenas por teoria. Gostaria de falar da sua imensa contribuição estética e estilística para as artes visuais.
Anísio, nas artes visuais, como Amado, na literatura, percorreu várias fases estéticas. Partindo do figurativismo realista das paisagens amazônicas, Anísio trafegou também pelo oposto; isto é: trafegou por toda a chamada reação anti-realista. Isto inclui obras impressionistas, expressionistas, cubistas, fauvistas, chegando ao avesso abstracionista do realismo. E aqui, no abstracionismo, criou a original técnica de pigmentação, jamais reinventada ou superada.
Mas a vida não cabe na canção, assim como a obra não cabe em uma crônica sentimental.
Gostaria apenas, em respeito ao artista, que a mídia, após a morte de alguém, divulgasse apenas seu currículo e seu estilo. Se não houver está possibilidade, que entre naquilo que a igreja católica chama de silêncio obsequioso. Será mais respeitoso, se este for o objetivo.

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