segunda-feira, 18 de julho de 2011

O CREOLESE E A IDENTIDADE CULTURAL DA GUIANA

Em Meio ao Discurso de Preservação de Línguas, Querem Matar o "Creolese"
Enquanto o discurso do momento é preservar as línguas faladas, e muitos falam em "revitalizar" línguas que estão morrendo, na Guiana, parece ainda ser grande o número dos "mais escolarizados" que querem "matar" o Creolese, como os guianenses chamam a língua crioula mais falada na Guiana.
Esse desejo de muitos guianenses mais escolarizados de extinguir essa língua crioula foi constatado pelos Holbrook em sua pesquisa realizada de 1996 a 1998, publicada em 2001, como Guyanese Creole Survey Report. Agora, chegando aos dez anos desde a publicação desse relatório de pesquisa, não me parece que muita coisa tenha mudado. Em Boa Vista, onde há uma grande comunidade de guianenses, há uma confusão sobre até mesmo o que é crioulo da Guiana, pois muita gente confunde crioulo da Guiana, uma língua com elementos de origem africana, indiana, indígena, entre outras, com maior léxico originado do inglês, e inglês da Guiana, simplesmente uma variante do inglês. Esse inglês da Guiana, usado nas escolas, em repartições públicas, no rádio, na televisão, tem influências do Creolese, mas não é o mesmo que crioulo da Guiana. Assim, quando alguém diz "Meh nah knoh" para dizer "Eu não sei", isso não é inglês da Guiana, e sim, Creolese ou crioulo da Guiana. Isto, em inglês da Guiana, seria "I don't know", a diferença em relação ao inglês britânico ou ao inglês americano se dá apenas na pronúncia, e é completamente inteligível com qualquer outra variante de inglês. Enquanto que "Meh nah knoh" poderia deixar muitos falantes de inglês boiando. Em seu relatório, os Holbrook apontam inglês da Guiana como equivalente a acroleto no processo de descrioulização.
Esse processo de descrioulização parece ser a meta do sistema educacional da Guiana. Se o fim desse processo é o acroleto e este não é mais necessariamente crioulo, caracterizando-se como apenas uma variante do inglês, então o sucesso do sistema educacional na descrioulização configura a "morte do Creolese".
Para mim, isso se deve ao fato de que nós (seres humanos "civilizados") adotamos um padrão com base no mais poderoso e taxamos tudo que é diferente de "ruim". Assim, o Creolese, diante do inglês, língua da Inglaterra (oh, a Inglaterra!) adotada como língua oficial na República da Guiana, é visto como um problema, um mal que precisa ser combatido.
À época de sua pesquisa, os Holbrook apontaram que essa postura do sistema educacional de reprimir o Creolese não tem tido o sucesso que seus implementadores gostariam. Naquela época, eles constataram que muitos guianenses, principalmente nas áreas rurais, eram monolíngues em Creolese, ou seja, esta era a única língua que falavam. Havia mais casos de bilinguismo (pessoas que falavam Creolese e inglês) em Georgetown e nos principais centros urbanos. Mesmo assim, muitos tinham uma competência bastante limitada em inglês, sendo realmente fluentes apenas em Creolese. Talvez, se o sistema educacional do país tivesse outra postura, aceitando o Creolese como uma "língua legítima", fosse mais fácil alfabetizar as pessoas e torná-las plenamente competentes em inglês escrito e falado, sendo, assim, plenamente bilíngues, que é o que se espera de pessoas de países que têm duas línguas sendo usadas paralelamente.
Os Holbrook ainda apontaram casos em que as pessoas mantêm o Creolese mesmo quando são bem competentes em inglês por terem a língua como parte de sua identidade. São geralmente pessoas que tem seu próprio negócio, que não precisam arrumar um emprego. Quem depende de um emprego para viver, prefere deixar o Creolese de lado para não ser taxado de ignorante ou analfabeto.
Eles observaram ainda que algumas pessoas que são monolíngues em Creolese acham que a língua devia acabar, são pessoas que gostariam de ter crescido ouvindo e falando inglês. Aqueles que são bilíngues em inglês e Creolese, só falam inglês quando estão com pessoas com as quais não se sentem à vontade. Mesmo aqueles que não têm plena competência em inglês, usam pelo menos o mesoleto, forma intermediária entre inglês e Creolese, quando estão com pessoas junto das quais não se sentem à vontade para falar a língua crioula. Assim, é difícil para uma pessoa de fora ouvir o basileto, ou seja, o Creolese propriamente dito.
Os Holbrook alertam ainda que não se deve aprender Creolese e tentar falar com estranhos, pois isso pode ser ofensivo. Se você se dirigir a um guianense desconhecido em Creolese, ele vai entender que você acha que ele é ignorante e não entende inglês e, portanto, vai se ofender.
A pesquisa dos Holbrook tem mais de dez anos. Desde então, muita coisa já mudou, com certeza. Em Moruca, um lugar longínquo, onde poucas pessoas têm energia elétrica em casa, quando estive lá do fim de dezembro de 2009 até início de janeiro de 2010, observei que filmes americanos estão bem acessíveis, por causa dos DVD Players portáteis. Assim, nos dias atuais, por causa desses filmes, o inglês americano vai entrando e influenciando o Creolese até nos lugares mais longínquos da Guiana. O Creolese também pode sofrer influência das músicas, tanto dos Estados Unidos como do Caribe, principalmete, de Trinidad e Tobago, Barbados e Jamaica. Destes últimos, muitas músicas são em algum crioulo caribenho, ou numa mistura de inglês com algum tipo de crioulo.
O Creolese, apesar daqueles que querem sua extinção, é bastante forte por meio daqueles que o falam e por aqueles que o usam na mídia, como se pode ver, por exemplo, nos vídeos de humor Mumma Bagi Comes to Canada e West Indian Scrabble. Há um vídeo no YouTube que mostra o uso do inglês da Guiana em paralelo com o Creolese, sobre uma operação policial em Buxton, um bairro predominantemente de negros da periferia de Georgetown, onde os repórteres falam inglês da Guiana e pessoas entrevistadas falam uma variante de Creolese.
O Creolese é uma língua muito viva, não acho que será extinta tão cedo. Para aqueles que estudam linguística e gostariam de saber mais, além do e-book cujo link se encontra acima, há também uma gramática do professor Hubert Devonish, da University of the West Indies, na Jamaica, em co-autoria com Dahlia Thompson: A Concise Grammar of Guyanese Creole (Creolese). Pode ainda ser adquirida no Amazon. Una-se àqueles que veem o Creolese como elemento cultural do povo da Guiana e, portanto, uma língua que deve ser respeitada.
Postado por Wildcat às 08:07 Enviar por e-mail
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Marcadores: cultura guianense, Guiana Inglesa, inglês e crioulo

3 comentários:

  1. foi muito bom o reencontro, amigo, e agora estou conectado a seu blog, que vou linkar... abraço

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  2. Moro na Guiana e posso afirmar que o crioule de fato é vivo, mas é desencorajado pelo fato de que com essa lingua vc não vai muito longe profissionalmente. Meu filho fala apenas ingles e chegou em casa falando umas coisas em criolese...Foi repreendido tanto em casa como na escola, pois a lingua crioula não serve pra nada! Pode parecer esnobe minha posição, mas pra que serve realmente? Não se consegue emprego sem ingles, não se entende nada na Tv ou rádio se não fala inglês...É muito falado no interior, por gente sem muita educação; é um ingles quebrado, sem gramatica e sem estatus de lingua. Até o Guianense diz que creolese é apenas ingles errado e deve ser ensiando o ingles "proper", como eles chamam aqui. Eu sou do Ceará e lá a gente chama vaca de "raca", cavalo de "carralo", velho de "réi" etc etc...Ninguem nos encoraja a falar desta maneira, mas sim aprender o bom português. Em suma, acho tolo manter um "dialeto" que só trará problemas pra população. E outra coiusa: os guianenses não estão lutando pra ficar com o creolese, na verdade estão tentando aprender o correto, e isso não é crime e nem ruim!!!

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  3. Poderia deixar a referência completa do autor (Holbrook) mencionado nesse texto, cuja pesquisa foi publicada em 2001?

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