segunda-feira, 5 de abril de 2010

A - SU BARRA KITÍ

Em nheengatu, língua geral do rio Negro, o título deste artigo, literalmente, significa " eu ir Manaus para ". O nheengatu, mistura do tupi com línguas neolatinas, segue a fórmula sujeito+objeto+verbo. Esta é também a fórmula linguística das outras línguas faladas no rio Negro, como o tupi, o arawak, o tukano e, por incrível que pareça, o latim antigo.
Estas línguas diferem da neolatina língua portuguesa, que se expressa na fórmula sujeito+verbo+objeto. Mário de Andrade, no Macunaima, tenta subverter a língua portuguesa e trazê-la para a tipologia expressiva do tupi. "Muita saúva e pouca saúde, os males do Brsil são". Isto é: sujeito+objeto+verbo(são). Isto dá a língua portuguesa uma tipologia e uma identidade tupi, digamos assim.
Com o nheengatu,porém, está acontecendo o inverso. Devido ser a expressão mestiça de um contato interétnico favorável ao colonizador, a fórmula inicial marcada pela tipologia sujeito+objeto+verbo, de influência tupi, está invertendo-se para sujeito+verbo+objeto, tipologia da língua portuguesa colonizadora. A expressão a-su Barra ( Manaus) kití, sujeito+verbo+objeto, título deste artigo, já é indicativa desta nova identidade linguística, de fala portuguesa hegemônica. No nheengatu antigo, de tipologia hegemônica tupi,deveria ser sujeito+objeto+verbo, isto é: a Barra kití su.
Este parece ser um debate secundário, erudito, academicista, neurótico.Mas, na verdade, é a expressão mais concreta do atual resultado da disputa pela hegemonia cultural do rio Negro. Na fala, na organização tipológica da língua mestiça, a revelação do poder econômico e político de determinada civilização.
De qualquer modo, este é um problema linguístico, cultural e político muito complexo. Como o é a formação civilizatória do I-pixuna, rio de Água Escura.
O rio Negro agora entrou na pós-modernidade da era industrial.Da praia do Tupé, próxima à entrada do rio Tarumã ( I-Aru-Mã )- Açu, até a praia do Índio, no Mauazinho,este rio está poluído por marinas, estaleiros,condomínios,empresas e esgotos.Não importa que traga em si uma história de setenta milhões de anos e uma polivalência linguística.
Buopé, Jurupari e Poronominari são heróis mitológicos derrotados. A barriga da Cobra Grande não abriga mais nenhum povo, no processo de passagem da aparência para a essência. Na barriga da Boiúna Metálica e Punk tem agora gás natural, um grande peido metafísico.
O rio Negro agora terá uma ponte. Não entre a aparência e a essência, entre o finito e o infinito, mas entre a cidade da Barra, Manaus, e I-randuba, que a curiosidade do leitor saberá traduzir.

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