terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O SAGRADO CACETE DE OSIRIS - UM AGRADECIMENTO AOS ESTUDIOSOS DA MINHA DRAMATURGIA

Antes de iniciar o próprio conteúdo do trabalho, acho importante elucidar o porquê do tema escolhido. Não era nenhuma das opções colocadas de estudo, mas foi a que mais despertou meu interesse, depois que entrei em contato com o assunto através do “Teatro Indígena no Amazonas”, livro de Márcio Souza. Deparei-me com uma instigante curiosidade, nunca tinha lido nada antes sobre teatro no Amazonas muito menos sobre teatro indígena, e a vontade de conhecer o que existe no Brasil, tanto em relação a peças de teatro publicadas que tratam das questões indígenas, resgatando suas mitologias, mantendo viva a linguagem indígena própria de contar histórias; quanto saber sobre os grupos de teatro da região amazônica e o trabalho realizado e como entre a cultura dos povos indígenas o teatro se insere como expressão, se existem até mesmo grupos indígenas de teatro e que papel a arte teatral desempenha para esses povos tão próximos e tão distantes de nós, perdidos nesse país chamado Brasil.

A cultura da Amazônia está influenciada em primeira instância, pela cultura do caboclo, que recebe importante influência dos povos indígenas que formam as sociedades do universo amazônico.Logo, relacionei o trabalho a cerca do teatro indígena com as idéias estudadas de Antonin Artaud, através da leitura de “O teatro e seu Duplo”. Artaud viveu o teatro, como uma pulsão que transcende o corpo humano em direção ao sagrado, o teatro ritual com gritos, sombras, gestos, sons, e toda a força da cena teatral não apenas centrada na razão das palavras, mas nas amplas expressões de todos os recursos, de todo o corpo, saindo de um sentido puramente racional. Mas, porque falo do Artaud? Depois que assistiu as apresentações de um grupo de teatro de Bali em que a dança estava sempre presente, assim como a ênfase nas expressões faciais, ele começou a pensar e a buscar em sua vida outro tipo de teatro, onde o que fala e dá significado não é a obsessão pelo texto, pelas palavras em si, por uma representação superficial do cotidiano, mas sim pela linguagem poética teatral num todo, que está nas coisas, nos homens, na natureza, nos significados mais simples, o absoluto da vida. Ressalto aqui que a lógica da escrita ideogrâmica oriental, assim como a sua linguagem no geral, está muito próxima das estéticas indígenas, onde aparecem em suas histórias uma sofisticada justaposição de imagens, além da vasta apreciação por ambos os povos pelo gesto e sua poesia universal à preponderância da palavra, cujo para culturas indígenas ágrafas tem um peso e uma importância distinta do entendimento ocidental. O próprio ato de falar dos portugueses, durante os primeiros contatos com os nativos, lhes soava engraçado. Artaud consegue em 1936 uma bolsa e vai pesquisar os índios tarahumaras no México, passa quase um ano estudando antropologicamente o ritual do peyote, acreditando na cultura indígena como resgate de uma percepção do mundo que o ocidente dera por perdida. Daí a tentativa do teatro de Artaud de fixar a alteridade, do questionamento da superioridade da “civilidade” da Europa sobre os povos colonizados à crítica da superstição do texto em face da explosão da vida: indagando onde radica a justificativa que um continente pode ter para servir-se de outro.

È interessante o resgate da convivência de Artaud com os índios mexicanos para este trabalho, pois nas culturas indígenas o conceito de arte como ocidente concebe não existe, o teatro assim como a dança, os cantos, fazem parte da cultura de seus rituais, de suas inúmeras formas de comunhão com a natureza e com as forças que a geram. Forças que comandam a vida, e que tem sua simbologia expressada através de muitas manifestações vistas por nós como artísticas, mas para os indígenas é uma maneira de alcançar, agradar, pedir, comunicar e vivenciar essas forças, invocar o dito inalcançável. Eles acreditam no seu teatro como na vida, e ele tem uma importância nos rituais maior do que podemos imaginar, muito mais que palavras ditas separadas dos sentidos, compulsoriamente, o que mais se encontra nesses rituais, é a grande presença da alteração do estado corporal e espiritual dos indígenas, para isso eles elaboram indumentárias extremamente representativas da natureza, feitas com materiais obtidos através da floresta ou da zona natural onde a tribo se encontra próxima, as próprias indumentárias tem lendas e porquês de serem da maneira que são e uma eficácia própria. A pintura corporal é talvez a “arte” que mais chama atenção pela sua beleza exótica, o corpo humano é o grande suporte de expressões, tem sentidos diversos para os índios, além da vaidade, e da expressão da beleza, através dos traços, que podem ser abstratos ou orgânicos – formando mosaicos tridimentsionais- são passados valores considerados importantes para tribo. Os materiais utilizados são tintas obtidas pelo urucum, o jenipapo, e pó de carvão, as cores representam o masculino/feminino e a floresta, assim como o estado de espírito dos índios e os sentimentos, pintam-se para enfeitar-se, para defender do sol e insetos, dos maus espíritos também, o corpo revela de quem se trata, e as pinturas devem ser feitas preferencialmente por mulheres. Quanto aos objetos manipulados é através de pequenos rituais para a natureza que dela são retirados e feitos, pois são sagrados, os cânticos onde as palavras, muitas vezes ininteligíveis, são murmuradas, desempenham o papel de encantos, lamentos, ou invocações, são toantes que possuem alucinantes monotonias que hipnotizam e empolgam. Existem para diversos fins, como toantes de festa onde não há palavras e apenas sons vocalizados são emitidos, toantes particulares com letras e falam a respeito do encantado a que pertencem, e toantes de cura, utilizado pelo pajé, a música é encantada e desempenha grande importância na representação dos ritos. Há as danças e o movimento dos corpos em conjunto, normalmente em círculos por longos períodos de tempo, a tribo toda dança. As máscaras, feitas de madeira, que guardam características essenciais do sobrenatural, e bonecos, tal a reprodução de animais, homens e estátuas. Esses rituais, muitas vezes são sem palavras, apenas gestos, outros rituais são contados, muitos na forma de diálogo, onde o teatro aparece por essência, ex: para chamar a chuva, e são de grande eficácia, assim como para a fertilidade da Terra, ou para agradecer por determinado alimento importante para a sustentação da tribo, assim como os rituais de iniciação dos jovens, e os casamentos, também outras vezes são manifestações com cunho tradicional sobre suas histórias onde os índios vivenciam seus mitos de criação e concepção do mundo, passando assim seus conhecimentos para as gerações mais novas, considerando que suas poesias têm uma tradição oral, a convivência em grupo e com os mais velhos é de grande importância para a continuação da sua tradição e de seus conhecimentos.

A exposição sobre as idéias inspiradoras de Artaud vem de encontro com a temática indígena, e muito me influenciaram a pensar e abordar o próprio tema do trabalho. O pensamento e a proposta teatral de Artaud serão retomados adiante quando chegarmos através de um resgate sócio-histórico a uma compreensão maior sobre a Amazônia, e o seu teatro, e a partir disso encontrarmos nos rituais da cultura indígena da região a própria idéia de teatro “sagrado” e arrebatador dentro da vida dos povos, relato algumas manifestações interessantes para se pensar como se dá o teatro dentro do universo das tribos que habitam e habitaram a Amazônia.

Pesquisei a dramaturgia e o teatro no Norte do Brasil, tanto das expressões cênicas próprias das cidades, como Manaus, quanto à das aldeias. Em muitas festas populares da região vemos claramente as histórias locais contadas e festejadas através do teatro, de danças e gestos que invocam as forças primordiais do imaginário da população.

Em 1499, sete anos depois que Cristóvão Colombo descobriu um novo mundo para os europeus, o capitão espanhol Vicente Yánez Pinzón rumou em direção à costa do Brasil, onde ancorou no estuário de um rio tão imenso que o levou a batizá-lo de mar Dulce. Desapontado por não ter encontrado nada que tivesse um valor imediato, ele se consolou capturando trinta e seis índios e um macaco, antes de fugir atônito ante as tremendas cheias que ameaçavam tragar seu navio. Embora de pouco importância por si só, a expedição de Yánez preparou o palco para aquilo que se tornaria um drama recorrente de incrível deslumbramento e exploração da natureza e de seus habitantes. A Amazônia brasileira compreende aproximadamente metade de toda a bacia amazônica. Estendendo-se por mais de sete países, o regime do rio drena cerca de um terço da superfície terrestre da América Latina. Apesar do fato de a entidade oficial conhecida como Amazônia legal ocupar três quintos do território nacional, ela já existe a muito à margem da vida política e econômica do Brasil. Todavia, o desconhecimento do rio Negro, que banha hoje Manaus, deve-se a Francisco de Orelhana, que lhe nomeou em três de junho de 1524, véspera da Santíssima Trindade. A fixação definitiva e os primeiros processos de colonização e cultura só aparecem definitivamente com a criação do forte, em 1669, construído segundo as diligencias da época, por troca de vantagens econômicas e políticas. A formação da população amazonense só seria possível depois da criação do forte dedicado à Santíssima Trindade, quando se estabelecessem os mitimais, uma forma de estratégia social inventada pelos Incas do Peru e posta em prática pelos espanhóis. Os portugueses adotaram o mesmo sistema, a fim de evitar que humanidades inteiras, ocupando uma pequena aldeia, chegassem à sublevação e a desordem. Desta forma, aos primitivos, índios Tarumã ocupantes, juntaram elementos de outras tribos: Baré, Pacé, Manau, Aruaques descidos do alto rio Negro, Mariquenas, etc., e com esse amálgama foi construído o primeiro núcleo cosmopolita que veio a chamar-se aldeia de São José do Rio Negro, quando da criação e instituição da Capitania de São José do Rio Negro.

Nos primeiros tempos de colonização portuguesa entre os séculos XVI e XVII, o modelo de ocupação era puramente militar e não há qualquer preocupação artística. Os colonizadores na Capitania do Rio Negro se protegem em fortes, em acampamentos, eram aventureiros que buscavam fazer fortuna com o comércio de especiarias, madeiras, resinas, remédios, peles de animais e corantes coletivamente denominados os “produtos do interior” ou drogas do sertão. Uma vez esgotado esses materiais, apressavam-se em mudar. Os índios nas missões jesuíticas trabalhavam muito, mas ainda podiam seguir algumas de suas festas, e o teatro catequético, iniciado pelo Padre José de Anchieta no Brasil, utilizado como modo de conversão religiosa dos índios, tidos como selvagens, aos dogmas da igreja católica, fincará raízes profundas nos descendentes desses assimilados – a colonização violadora em todos os sentidos, ao mundo indígena duramente oprimido pela visão de mundo dos europeus- e deixará marcas acentuadas que mesmo após a expulsão dos jesuítas, já no século XVIII, durante a administração de Pombal, este teatro religioso permanecerá sempre latente. Deste modo o primeiro público teatral da Amazônia era formado pelos índios, assim como foram os índios os seus primeiros atores.

No século XVIII, a colonização portuguesa procura solidificar a economia do Grão-Pará, optando por projetos industriais e economia agrária de pequenos proprietários. Começa então a florescer uma incipiente cultura provincial, de poetas de livro de ponto, pequenas orquestras de igreja, inflamados oradores de sessões filosóficas nas poucas lojas maçônicas existentes. Na Capitania do Rio Negro (Amazonas), o processo da evolução urbana mostrava-se mais lento. Mesmo Barcelos (Mariuá) e Vila da Barra (Manaus) não representavam uma real estrutura urbana. Eram pequenos aglomerados e casarios que haviam recebido o estatuto de vila e tinham como população uma esmagadora presença indígena. Na Capitania do Rio Negro o teatro catequético dos missionários continuaria imperando até quase a metade do século XIX. Fugindo destas limitadas condições, é que o jovem amazonense Tenreiro Aranha (Vila Barcelos, 4 de setembro de 1769 — Belém, 11 de novembro de 1811) abandona a possibilidade de uma existência medíocre e segue para Belém, capital do Grão-Pará. Tenreiro Aranha será o primeiro artista nativo da Amazônia,escritor ao lado de Antônio José, o Judeu, um dos dramaturgos brasileiros importantes do século XVIII. Da produção do poeta pouca coisa se salvou e pouco se conhece. Com a borracha Manaus torna-se um centro urbano e faz contraponto com a cidade Belém. O teatro no estado saltará, sem qualquer preparo, dos “elogios dramáticos” dos amadores e do arraial de igreja, para o profissionalismo de corte europeu. Este teatro de entretenimento, ao invés de tirar seus elencos da terra, trouxe de vapor companhias inteiras na mesma linha de importações de bens de consumo supérfluo.

O teatro que imperaria nas temporadas de Manaus, entre 1890 e 1918, será um teatro profissional inscrito nas mais avançadas relações de produção. Poucas cidades brasileiras experimentarão este fenômeno. O teatro feito por amadores desaparecerá completamente. Manaus receberá um contingente de músicos, atores, atrizes, cantores líricos e bailarinos, oriundos dos mais diversos quadrantes da terra, que se instalarão e formarão uma classe teatral. Além desses fixados, centenas de companhias nacionais e estrangeiras farão temporada na cidade. Tanto essas companhias, quanto as produções locais, contarão com uma verba de incentivo retirada dos cofres públicos, mas o risco correrá por conta do empresário. Além do luxuoso Teatro Amazonas, uma obra monumental criada para abrigar o melhor da arte de uma época de ouro e borracha, surgiu no papel, em 1881, quando foi assinada a lei número 546, de 14 de junho daquele ano, ordenando sua construção. No final de 1884, foram iniciadas as obras de alicerce do teatro. Por conta de desentendimentos em relação aos contratos de construção, a obra ficou paralisada e somente em 31 de dezembro de 1896, o Teatro Amazonas foi inaugurado. Uma semana depois, a grande companhia italiana dirigida pelo Maestro Joaquim Franco inaugurava, com “Gioconda“, de Ponchieli, a primeira estação lírica do recém “nascido” Teatro Amazonas. Entre os detalhes que mais chamam a atenção está o pano de boca, que sobe inteiro até a cúpula, sem ser amassado ou dobrado, já que sustenta a obra assinada por Crispim do Amaral, que retrata o encontro das águas dos rios Negro e Solimões. De 1897 a 1912, companhias importantes subiram ao palco do Teatro Amazonas, como as de Rafael Tomba, Giovanni Emanuel-Grande trágico italiano, notável intérprete das criações mais soberbas de Skakespeare-, Thomaz del Negro, Calil & Arrea, além de muitos outros artistas da época. A partir de 1913, com a crise que avassalou o Amazonas por vinte anos, o Teatro Amazonas raras vezes abriu suas portas. Eventualmente lá aconteciam festas cívicas, conferências literárias ou políticas, raros espetáculos de amadores e entrega de diplomas escolares. Hoje, o Teatro Amazonas volta à cena cultural e promove apresentações com a recém-criada Companhia de Dança, Coral e Orquestra Filarmônica do Amazonas. O teatro é referência para espetáculos regionais, nacionais e internacionais. A sala de espetáculos do teatro tem capacidade para 685 pessoas, distribuídas entre a platéia e os três andares de camarotes. O público também podia escolher seu programa entre a oferta variada de outras casas, tais como o Éden-Teatro, o El Dorado, o Politheama e o Teatro Julieta. Todas as companhias trabalhavam pelo sistema de repertório, apresentando diariamente um espetáculo diferente. Somente quando um espetáculo ganhava a simpatia do público, fazendo sucesso, é que repetiam mais de uma vez o trabalho. Mas isto aconteceria muito raramente e poucos espetáculos conseguiram ficar uma semana em cartaz.

Uma razoável estrutura promocional e de vendagem auxiliava as temporadas. Para a aquisição de bilhetes com antecedência, o público tinha os serviços da Casa Panhola, onde cartazes e fotos eram expostos. Publicações especializadas em teatro cobriam o movimento comercial e artístico. Circularam em Manaus os seguintes periódicos: “O Boato Teatral”, “Revista Teatral”, “Pontos nos ii”, “O Teatro”, “O Lírico” e “A Platéia”. O preço dos ingressos variava entre trinta e cinco mil réis para os melhores lugares e dois mil réis para as galerias. Por estes preços bastante elevados não é de estranhar que o teatro fosse uma arte para quem tinha poder aquisitivo. Todos os jornais de Manaus mantinham colunas e críticas teatrais, sem contar o amplo espaço que dedicavam às entrevistas com atrizes famosas, cantoras e cantores, aos mexericos e fofocas

Do “ciclo da borracha” restou o que poderia ser chamado de lastro profissional. Em Manaus trabalhou o poeta e comediógrafo Thaumaturgo Vaz autor de “O PATUREBA”, o dramaturgo Coriolano Durand (nasceu no Forte de Tabatinga, em 12 de abril de 1878 e faleceu em 23 de março de 1937), autor de um curioso vaudeville simbolista intitulado “Vende-se” em três atos, levado a cena no Teatro Amazonas em 1908, e mais tarde em Paris, no Théatre de L”Oeuvre, ainda sob a direção de Lugné Poe, o mesmo que havia lançado “Ubu Rei”, de Alfred Jarry. Também escreveu as peças: “A CHAMMA” alta comédia em três atos e “O MORTO QUE RIU”, Durand foi homem que dominava a língua de Racine, deixou obras em tela pintada para a Prefeitura, foi responsável por contratos importantes para Manaus, advogado, escritor, poeta, professor, pintor, dramaturgo, teatrólogo diretor do Teatro Amazonas, recebeu prêmios por suas obras, apreciou a Vanguardas Européias e ficou esquecido no espaço e no tempo. Foi também Coriolano Durand o autor do espetáculo teatral mais popular da época, a opereta “A Marquesinha” para crianças, com músicas originais do maestro Sobreira Lima.

Outro autor, Benjamin Lima (Óbidos-PA, 1885 – Rio de Janeiro, 1947), foi figura importante na intelectualidade do Amazonas, exerceu considerável influência à época, era crítico militante de teatro e cinema, homem de grande cultura e convicções políticas progressistas, que sempre lutou por um teatro menos superficial e irresponsável como o que se produzia em Manaus. Escreveu um texto que se tornou célebre, “O Homem que Marcha” que concorreu ao prêmio instituído pela Academia Brasileira de Letras em 1925, foi a peça vencedora, agudamente crítico e por isto mesmo interditado pela censura da época. Benjamim Lima preocupava-se com a qualidade das encenações, detestava o improviso, as interpretações estereotipadas e inconseqüentes, a mania do ponto que fazia dos atores e atrizes meros repetidores de frases que não sentiam e nem compreendiam. Anos mais tarde, já no Rio de Janeiro para onde se mudou quando a depressão econômica da borracha o obrigou a buscar melhores oportunidades, instalou o Curso Prático de Teatro em 1939, o primeiro de formação teatral a funcionar no Brasil, hoje a Escola Martins Pena. Dentre as peças que escreveu foram representadas as seguintes: O Carrasco (1922), O Homem que Marcha (1925), Boa Noite (1931), O Homem que Ri (1931), Babilônia (1933), O Amor e a Morte (1933) e Venenos (1938). Dessas, foi lida pelo Autor, em 1928, O Homem que Marcha, em memorável recital no Teatro Amazonas.

O Capitalismo se aproximando da arte, o teatro burguês começou a liberar vícios coloniais, que exigia o máximo de decoro, subserviência e didatismo, a arte teatral se fez mundana e foi profanada pelo comércio. O teatro tornava-se cosmopolita, e de todas as artes, a mais picante e ousada do ponto de vista moral. E pela primeira vez há até uma vida teatral, com todas as suas implicações e sua fauna de atrizes, atores, encenadores, coristas, músicos, técnicos e bailarinos, que perambulavam pelos cafés da moda, armando seus escândalos e promovendo as reivindicações do setor. O mercado de trabalho era crítico, equilibrava-se na corda bamba. Uma peça não passava de um dia e não se gastava mais que dois dias para ensaiá-la. Uma temporada durava sempre 25 dias, com um enorme repertório que exigia de cada artista um esforço sobre-humano. Além de tudo, a remuneração oscilava continuamente. Um ator de papéis secundários mal ganhava para comer. Enquanto as divas e astros recebiam salários astronômicos.

Quando a depressão inicia a sua trajetória devastadora, as delícias capitalistas conhecem um refluxo e o palco amazonense começa a ceder espaço, mais uma vez, aos amadores. Estes procurarão emular os espetáculos dos grandes dias. O movimento teatral faliu muito antes da primeira Guerra Mundial. Desapareceram os artistas residentes, rarearam as temporadas das companhias de fora. A época era propícia aos amadores. O grupo amador mais atuante deste momento de melancolia se formará em torno da comunidade lusitana. É o Grupo Gil Vicente, que atuará durante toda a década de 20. Há também o Grupo Tiradentes, de estudantes, o Grupo Fênix, de gente da sociedade, e o Grupo Arte e Glória, de composição social desconhecida, mas certamente de oriundos da pequena burguesia da época. Todos esses grupos, de atividade conturbada pela crise econômica, não representarão nem um avanço, nem diversidade de estilos. Preocupados em imitar o teatro profissional do passado recente, montavam os mesmos dramalhões, e conservavam as mesmas comédias. Entre os anos 30 e os anos 50, enquanto a economia regional vegetava na estagnação do extrativismo, a situação do teatro não havia se modificado. Mudaram os nomes, mas o teatro continuou o mesmo.

Em meados dos anos 50 passa por Manaus a caravana de Paschoal Carlos Magno, poeta, dramaturgo, romancista, diplomata, nasceu no Rio de Janeiro era personalidade fundamental na dinamização e renovação da cena brasileira, com o Teatro do Estudante do Brasil, encenando no Teatro Amazonas, depois de muitos anos, tragédias gregas e Shakespeare. Sua passagem pelo estado, no meu entendimento foi importantíssima para o teatro local, para reavivar e transformar o teatro amazonense, mas também por outro lado, é uma influência externa, as criações do teatro de Manaus ainda vinham de fora, mas o período que Paschoal passa por Manaus marcou mudanças importantíssimas e logo o teatro amazonense estaria mais vinculado com uma postura crítica diante da realidade social brasileira. Porém, os amazonenses pouco se beneficiarão do contato. Três desses grupos sobressaíram-se neste longo período: o Teatro Amazonense de Comédia, o Teatro de Revista e o Teatro Escola do Amazonas. Este último, cuja fase de maior atividade se dará na virada da década de 50 para a década de 60, terá um repertório e ambições bem diversas dos dois primeiros grupos. Chegará a encenar “A Prostituta Respeitosa”, de Jean-Paul Sartre. Em 1960, agora afinados com as propostas de Paschoal Carlos Magno, Ediney Azancoth, Virgílio Barbosa e Felix Valois Coelho Jr. fundam o Teatro Universitário do Amazonas. Em 1962, com o apoio da UNE e da UEA, o grupo encena “Beata Maria do Egito”, de Raquel de Queiroz. Com este trabalho participam do festival que Paschoal Carlos Magno estava promovendo em Porto Alegre. Ediney Azancoth recebe o prêmio de melhor ator coadjuvante. Era a primeira vez que o teatro amazonense participava de um festival nacional.

O “Teatro Universitário no Amazonas” ensaiava numa sala da antiga Faculdade de Economia e era sustentado pelas entidades estudantis. Depois de 1964, aliado ao “Movimento Cultural Universitário”, importante fase de resistência dos estudantes amazonenses contra a ditadura militar o grupo encenará espetáculos inspirados na experiência do “Grupo Opinião” do RJ. Além do cuidado na escolha do texto, o Teatro Universitário do Amazonas foi o primeiro grupo amazonense a colocar claramente os problemas modernos do teatro. Foi o primeiro grupo a encarar a natureza política do ato teatral e a preocupar-se com a natureza da encenação enquanto arte da imagem. Em 1968 encenou com grande qualidade a peça “A Exceção e a Regra”, de Bertold Brecht, com direção de Aquiles Andrade.Em 1968 é fundado o Teatro Experimental do SESC-TESC que até hoje está em atividade. Da mesma época é o Gruta-Grupo Universitário de Teatro do Amazonas, formados por universitários da Universidade do Amazonas, que propunha um teatro popular que intitulavam de Teatro Cabocão, mas desapareceu nos anos 80.

O TESC – Teatro Experimental do SESC do Amazonas é uma entidade cultural sem fins lucrativos, patrocinado pelo Departamento Regional do Serviço Social do Comércio do Amazonas, com sede em Manaus, Amazonas. O grupo logo se tornou um dos mais importantes movimentos teatrais do Brasil, encenando espetáculos em duas vertentes de pesquisa de linguagem cênica. A primeira vertente volta-se para uma visão crítica do processo histórico da região Amazônica, com espetáculos de grande sucesso de crítica e público, tais como “As Folias do Látex” e “Tem Piranha no Pirarucu”. A segunda vertente traz para o palco o universo dos povos indígenas amazônicos, com peças como o musical “Dessana, Dessana”, e as tragédias “A Paixão de Ajuricaba” e “Jurupari, a guerra dos sexos”. A partir de 2003, com a nova encenação de “A Paixão de Ajuricaba” e a formação de um novo elenco, o TESC também se transformou num centro de inclusão social para a juventude, trabalhando com bolsistas em diversos campos das Artes Cênicas. Os índios, os mitos, o humor, o sarcasmo e uma imensa região supostamente sem História, é o campo de trabalho do TESC – Teatro Experimental do SESC do Amazonas.

Atualmente Márcio Souza dirige o grupo, que foi pioneiro na luta pela preservação da Amazônia. Márcio Souza nasceu em Manaus, Amazonas, em 1946. Aos 14 anos começou escrevendo críticas de cinema para um jornal local e em 1965 deixaram Manaus para estudar Ciências Sociais na Universidade de São Paulo. A Amazônia é o tema da maioria de suas obras. Antes de se formar, em 1969, publica o primeiro ensaio, O Mostrador de Sombras (1969). Ganha fama com seu primeiro romance, Galvez, Imperador do Acre, lançado em 1976, alegoria da conquista do Acre pelo Brasil, que foi um enorme sucesso de crítica e de vendas. A seguir, outros romances, ensaios e textos teatrais foram lançados com o mesmo impacto. Romances como “MAD MARIA” (1980, mais tarde virou mini-série), “A ORDEM DO DIA” (1983) e “O MUNDO PERDIDO”. Ensaios como “O EMPATE CONTRA CHICO MENDES”, “FASCÍNIO E REPULSA” (2000) e “BREVE HISTÓRIA DA AMAZÔNIA”(1992). Escreve ainda para o teatro e, entre 1976 e 1979, obtêm êxito com as peças As Folias do Látex, A Paixão de Ajuricaba, “DESSANA, DESSANA”, Tem Piranha no Pirarucu (1980), Teatro Indígena do Amazonas (1979) e Operação Silêncio. A peça “As Folias do Látex”, é um Vaudeville, modelo de teatro da irresponsabilidade burguesa, voz dos centros urbanos, escrita em 1976 a peça através de dois atos é uma espécie de re-leitura do passado onde o “ciclo da borracha” no Amazonas foi tomado como um caso exemplar, para mostrar as contradições da monocultura e de como os interesses internacionais se puseram em jogo numa área de matéria-prima privilegiada. Inicia com a personagem “Amazônia”, uma mulher que é todo o tempo da peça cobiçada e manipulada pelos homens que tem poder econômico e social, ela entra em cena acompanhada pelo “Mestre de Cerimônias”, ele comentará e encaminhará as situações ao longo da peça, mostrando ao espectador de uma forma quase irônica o que se sucedeu com a Amazônia a partir da descoberta da borracha, o mundo dos exploradores, em constante disputa pelo lucro, eles então auxiliam uma senhora a chegar até o piano, ela se chama: Ernestina Rio Negro, esta conversa com o Mestre de Cerimônias sobre o ciclo da borracha enquanto toca uma canção ao piano, até dois índios levá-la para fora do palco. Ao longo dos cinco quadros do primeiro ato, com projeções que nos situam historicamente e mostram o “desenvolvimento” e a espoliação do território amazônico, vemos isso acontecendo em cena como piada nas mãos de exploradores ingleses e americanos, e o domínio português sob a terra, nesse tempo os seringueiros são excluídos pelos personagens o tempo todo, escanteados a alguns comentários que os demais não dão atenção. No segundo ato aparece o personagem Euclides da Cunha, jornalista que vai atrás dos seringueiros, os verdadeiros trabalhadores da borracha, estes “tomam a cena” e acabam contando sua história, salvam a personagem Amazônia das mãos do Americano, e a festa continua, e Amazônia está mudada, Chico Mendes também aparece, morto, falando uma mensagem de luta do povo, e após algumas contínuas confusões em torno da exploração do local, entram novamente no palco a personagem mais velha Ernestina Rio Negro falando com saudades da época da borracha, de forma romântica.

“Dessana, Dessana, ou o começo antes do começo”, é um musical sobre a criação do universo conforme as tradições do norte-amazonense, reproduzindo em cena uma cosmogonia que é comum a quase todas as etnias daquela região. Ao contrário de outras cosmogonias, como a da Bíblia, a dos Dessana se aproxima muito da moderna concepção científica proposta pela física quântica: como a teoria da grande explosão inicial, que na sua versão amazônica é a aparição fabulosa de Yebá-Beló em seu clarão de quartzo no meio do vazio; a idéia de que o universo é entrópico e não caminha para a perfeição; a fragilidade da vida e o fato da espécie humana necessitar de experiência e conhecimento para se tornar verdadeiramente humanidade. No caso do homem branco (civilização ocidental) este é banido logo no começo dos tempos do convívio das gentes, condenado a acumular riquezas exteriores em detrimento do crescimento espiritual.

“A Paixão de Ajuricaba”: A peça é um poema dramático sobre a história dos povos indígenas que resistiram e resistem ao colonialismo, conta a história e o destino trágico de Ajuricaba, líder indígena e do seu povo, os manau, além de ser um encontro coma memória popular reprimida. Da existência dele se guarda apenas o gesto suicida que comprova o desespero vivido pelos índios desde a chegada do branco na Amazônia. Mas ele permaneceu vivo na lembrança de um povo quase sempre disperso pela geografia, onde mesmo o conhecimento do passado lhe é negado por uma aviltada historiografia ideológica e oficial. Pouco se sabe de Ajuricaba, o grupo manau hoje não existe mais, foi extinto, eles viveram no Vale do Rio Negro, Amazonas. Desde os primeiros dias da colonização o Rio Negro por sua densidade populacional, foi considerado como uma lucrativa fonte de mão-de-obra indígena. Conta a tradição que os manau, depois de muita resistência, sob a liderança do sábio tuxaua Caboquena, acabaram por se deixar pacificar e se aldeiaram em torno do forte São José da Barra ( Manaus). No início do século XVIII. Morre Caboquena em meio a grande consternação, pois os manau perdiam um líder de superior envergadura que tinha sabido conduzir da melhor maneira o contato com os invasores. Sobe ao posto de tuxaua, o filho mais velho de Caboquena, um homem fraco e inteiramente corrompido, mal visto pelo seu povo por manter íntimas relações tanto com a administração colonial quanto com os preadores de índios. Era Huiuebéne, pai de Ajuricaba, este era um seguidor da tradição tribal ao oposto do pai e seguindo as leis de Jurupari, começou a fazer oposição ao pai. As relações de Ajuricaba com o pai seriam rompidas definitivamente, quando Huiuebéne firmou com os portugueses uma aliança, chegando a obrigar os guerreiros manau a acompanhar preadores de índios em expedições contra outros povos. Ajuricaba rompe com o pai, e começa a organizar os manau e outros grupos aruaques, contra a liderança de Huiuebéne, considerado já traidor. Certo dia um grupo de índios acaba por assassiná-lo, Ajuricaba assume o posto de tuxaua, e começa o embate contra os portugueses. Em 1723, dá-se o primeiro embate entre portugueses e manau, saindo o povo de Ajuricaba vitorioso. O que enfureceria mais os portugueses era o fato dos manau e aliados estarem usando, além de armas tradicionais, arcabuzes e pistolas. Enquanto Ajuricaba consegue vitórias, pondo em perigo o domínio português, procurando ampliar seu raio de ação, recebe adesões de outros povos, pondo em armas um grande número de guerreiros. Os holandeses, interessados em afastar os portugueses e estender o seu território colonial até o Rio Negro, intrometem-se na guerra. Mostram-se amigos, cedem armas, ensinam a utilizar os armamentos, mas não conseguem a aliança que desejavam ter com o orgulhoso tuxaua. A acusação portuguesa de aliança com os holandeses mostrava ser uma maneira de exigir do reino medidas enérgicas. Uma expedição punitiva levantou armas do porto de Belém em 1728, comandada por Belchior Mendes de Morais, as missões jesuíticas forneceram um grande número de carregadores e guerreiros indígenas que estavam com eles. O ano de 1728 seria um dos muitos anos tristes para os povos do Vale do Rio Negro. A bem armada tropa de soldados começava a tarefa de reprimir a insurreição indígena. Belchior Mendes de Morais executaria sua missão com o desvelo necessário que uma guerra por El Rei de Portugal exigia. Ele entra pelo Rio Urubu, arrasando a ferro e fogo cerca de trezentas malocas, de onde não escaparam velhos, mulheres e crianças. Completado o massacre das populações que davam apoio estratégico ao líder Ajuricaba, os portugueses passam a concentrar seu esforço no médio e no alto Rio Negro, afligindo com bombardeios e fuzilaria as populações que ali habitavam. Os caçulos oficiais registram o desaparecimento de 40.000 índios das mais diversas tribos, inclusive a completa dispersão e extinção final dos próprios manau. Ajuricaba resistiu bravamente, mas não conseguiu superar a desproporção bélica dos portugueses. Aprisionado, ele deveria seguir para Belém onde receberia uma punição, possivelmente o degredo ou a escravidão. Quando vinha para Belém como prisioneiro, navegando no rio, ele e outros homens levantaram-se na canoa e tentaram matar os soldados, estes começaram a disparar tiros ferindo alguns e matando outros, nisso Ajuricaba saltou da canoa para a água co um outro homem e jamais reapareceu, vivo ou morto.

A peça de teatro “A Paixão de Ajuricaba” foi apresentada pela primeira vez pelo TESC, no Teatro SESC, no dia 19 de maio de 1974. Com o seguinte elenco: Stanley Whibbe, Denise Vasconcelos, Herbert Braga, Moacir Bezerra, Ediney Azancoth e Mardonio Rocha. E a seguinte equipe técnica: iluminação de Custódio Rodrigues, som de Sandra Albuquerque , figurinos, cenografia e direção de Márcio Souza. O espetáculo também foi apresentado no teatro Cindo Unidos, em Itacoatiara, Amazonas, e no teatro Municipal Severino Cabral, em Campina Grande, Paraíba. A peça também foi montada em Belém ,Pará, em praça pública, no anfiteatro da Praça da república, pelo Grupo Cena Aberta, em 1979.

Na peça, a sugestão é de que o cenário seja envolto por tapaderias e rotundas negras. Galhos que lembrem a floresta, praticáveis, e uma canoa indígena. Os Figurinos e adereços que lembrem o que estão representando no momento, mas também sugerindo uma neutralidade. Os personagens são: Ajuricaba, Inhambu sua mulher, O Comandante Português, O irmão Carmelita, Teodósio, Soldado português, Guerreiro manau, e Coro.

A primeira cena da peça começa com o Coro entrando, embora a luz seja alta, eles tateiam como cegos, cada um traz consigo algum ornamentos de Ajuricaba em uma fala extremamente poética anunciam a história de Ajuricaba a ser contada., eles se afastam e em cima do praticável está Inhambu e Ajuricaba eles dialogam sobre o medo, o medo no homem, e o medo de morrer e deixar morrer tudo o que o povo ama e necessita para viver.O coro novamente se aproxima de Ajuricaba e ele conta como conheceu Inhambu, a primeira vez que a viu ela estava perdida em seus pensamentos olhando o rio, tentou fugir quando viu Ajuricaba, paralisado por tanta beleza, Inhambu também conta o seu lado da história, ele era de outro povo.Na segunda cena o Coro conta a união do casal, e das conquistas portuguesas que cada vez mais exploravam o Rio Negro.

Na outra cena, vemos mais um episódio da história de Inhambu e de Ajuricaba, aparece o guerreiro Manau. Na cena seguinte Ajuricaba mostra Inhambu a ação dos portugueses na floresta. A sexta cena, além dos objetos, trajes típicos indígenas existem movimentos inspirados em suas danças, é o casamento de Inhambu e Ajuricaba e o coro canta juntamente o avanço dos português, a exploração que cresce e cresce e que não tolerava mais a resistência de Ajuricaba, acontecem ataques dos portugueses aos manau e Ajuricaba é capturado e aprisionado. No segundo ato aparecem o Comandante Português e o irmão Carmelita, entra Ajuricaba seguido pelo carcereiro Teodósio, a conversa é sobre guerra, vitória, rouba, valentia,, eles falam que vão encaminhar Ajuricaba julgamento.Na segunda cena, Ajuricaba conversa com Teodósio que também é um índio, catequizado, e lhe mostra pela fala as injustiças do domínio português.

Na terceira cena o Irmão Carmelita tenta persuadir Ajuricaba e a convertê-lo a seu Deus, a acalmar-lhe, sem sucesso. Na quarta cena Inhambu aparece vestida como uma pobre mulher branca ela visita Ajuricaba e os dois conversam tristes. Na cena quinta o Comandante Português tenta se aproximar de Inhambu, sugerindo que soltará Ajuricaba, se ela passar uma noite com ele.Na cena sexta ela procura o irmão carmelita, ela lhe expõe a proposta do comandante, o o irmão se revela tão ordinário quanto seu outro conterrâneo.Na cena sétima Inhambu tenta matar o Comandante com um punhal, mas este desvia do golpe e acaba por matá-la.Na cena oitava ocorre a morte de Ajuricaba, o salta da canoa, e a briga com o soldado português.Na cena nove, o coro vem fechar a representação da tragédia de Ajuricaba, e por fim Teodósio aparece com discurso em favor da luta de seu verdadeiro povo.

Outro escritor e dramaturgo relevante do Amazonas, que aborda a questão indígena hoje é José Ribamar Mitoso autor de cinco peças do teatro do indígena na cidade e no presente. São elas: Poronominari ( prêmio FUNART- centenário do Teatro Amazonas -1996 ) , A Saga Munduruku ( Prêmio FUNART- 2007), As Filhas de Yepá (2006), Furo de Olho (2006), além da parceria, como roteirista e diretor, artístico da peça A Casa dos Cinco Tempos, do Kumu Séribhi, sobre a história do povo Dasxé do alto Rio Negro. Como escritor, escreveu os livros de contos Contos Vagabundos (1990), Povo de Manaus, o camelô (1991) e o inédito Manaus – Contos Amazônicos na Desglobalização. Escreveu ainda três livros de ensaios sobre o movimento artístico-cultural no Amazonas. São eles: Vozes da Lenda (1990), A Carta Doida (1996) e Os Artistas de Março ( 2006). Poronominare escrito em 1996 trata de um herói cômico do Rio Negro, herói que trazia os novos valores, foi um texto inaugural do ponto de vista da dramaturgia. O primeiro texto dramatúrgico e cênico a tratar da questão dos povos indígenas na cidade e no presente. Antes dele, seguindo a tradição que começou no século XVI, com padre José de Anchieta, os povos indígenas sempre foram tratados na floresta e no passado. Toda a tradição de encenação do lendário e da épica indígena, incluindo O Guarani, de José de Alencar, foi sendo construída nesta perspectiva. Somente no final do século XX, com Poronominari, esta tradição foi rompida. Em primeiro lugar, do ponto de vista formal, Poronominari, como arte cênica, associava teatro grego com ritual indígena. Junto com a movimentação de atores, particular do teatro grego, foi associado o canto, a dança, a marcação de pé e sagração ritualística dos povos indígenas.
Em segundo lugar, o ambiente e o tempo da ação foram modificados. O ambiente deixou de ser a floresta e passou a ser a cidade, onde, hoje, habitam 52% da população indígena. O tempo deixou de ser o passado imemorial e passou a ser o presente das lutas por cidadania urbana, sem perder a identidade tradicional. Foi encenado pelo Grupo Pombal Artes Espaço Alternativo, que procura, aliado ao conteúdo indígena, criar uma forma de arte cênica que associe teatro grego e ritual indígena, sem hierarquia de valores, mas naquilo que há de mestiço ,de caboclo, na natureza social da Amazônia .No resultado final, produto de uma história que inclui espetáculos como Poronominari, Saga Munduruku, Furo de Olho, As Filhas de Yepá e Genoma, e Cunhã.

Recentemente, é que a temática indígena começa a ganhar espaço nos teatros do Amazonas, entre os grupos teatrais, as criações cênicas baseadas nas mitologias indígenas do Rio Negro ganham importância por apresentarem a diversidade criativa e rica dos povos nativos e buscam nessa nova linguagem teatral uma maneira de contestação da realidade social, de um espaço para a memória desses povos. As canções, as danças, as tradições e as histórias presentes em sua memória coletiva, que por nós ignorados, passam a constituir material riquíssimo para uma nova linguagem cênica, que resgata o papel do índio na formação da região, e como habitante originário. Quem de nós ouviu falar em Ajuricaba? Quando falamos em resistência indígena na História, se fala pouco ou se passa por cima do assunto, ainda mais no que tange a arte.

No resgate feito da história do teatro no Amazonas, percebemos que os índios, juntamente com os recursos naturais, pouco a pouco vão sendo desapropriados de seu território nativo, e subjugados por uma cultura dominantes. Os povos do Rio Negro pairaram no esquecimento conforme o mundo capitalista foi descobrindo suas terras. O dito desenvolvimento. Mas isso não significa que eles não possuíam e que não praticam mais seus valores, e culturas, entre eles suas histórias permanecem vivas, e inclusive influenciaram e não teria como ser ao contrário, toda a cultura da região. Muito antes dos europeus chegaram ao Amazonas, às diversas etnias que habitavam as margens dos rios já realizavam eventos de canto, música, dança e narração. É evidente que nas culturas tribais, onde o conhecimento é integrado a um todo, não havia a distinção entre arte, cultura e rito. Mas os povos originários, em sua diversidade cultural, marcaram o passar do tempo com celebrações e festas, quase sempre com encenações que se repetiam e acabaram por gerar uma tradição. Da mesma forma que no alvorecer da cultura ocidental o teatro não se distinguia do ritual, as artes-cênicas indígenas se mesclavam em dramaturgia e celebração. A etnia mais antiga: a tradição Ianomâmi de narrar os mitos, é mantida até os dias de hoje. Entre os diversos clãs ianomâmis os pajés utilizam uma técnica única, que é dinâmica e espetacular ao mesmo tempo. Como não possuem instrumentos musicais, o narrador ianomâmi faz de seu o próprio corpo uma orquestra e espaço cênico. Uma vez escolhido o mito a ser narrado, ele se pinta com a ajuda de amigos. Cada parte do corpo recebe um tipo específico de pintura, representando acidentes geográficos e personagens da gesta a ser apresentada. Estas pinturas corporais são imediatamente reconhecidas pela platéia e fazem parte de uma convenção estabelecida. Uma vez terminado a “maquiagem”, o pajé ator inala o “ebene”, pó alucinógeno que faz a ligação com o mundo invisível, e começa a encenação, que pode durar de quatro a cinco horas. O pajé executa uma espécie de ópera à capela, num monólogo musical que se intensifica com o gestual, coreografia e posturas. A comunhão com a platéia é tão intensa, que cada personagem do mito pode gerar conseqüências. Por exemplo, se há a personagem de uma onça, esta pode ser feroz e todos se protegem. Uma onça enfurecida mata. O alucinógeno dá ao pajé a sensação de que ele cresceu e se tornou um gigante, observando o seu público na proporção de formigas. É um ritual, de evocação de outra dimensão, mas ao mesmo tempo as gentes da aldeia acompanham o desenrolar da complicada trama, tal qual uma platéia segue uma peça longa e apaixonante.

Uma das maiores festas tradicionais indígenas é o Kuarup é um ritual dos grupos indígenas para homenagear os mortos. Os troncos feitos da madeira “kuarup” são a representação concreta do espírito dos mortos ilustres. A festa corresponderia à cerimônia de finados do homem branco, entretanto, o Kuarup é uma festa alegre, afirmadora, exuberante, onde cada um coloca a sua melhor vestimenta na pele. Na visão dos índios, os mortos não querem ver os vivos tristes ou feios. Uma cerimônia de mais profundo sentimento humano realiza os Kuikuro – uma tribo da região Amazônica- no mês de maio de cada ano e sempre em uma noite de lua cheia. Num cenário fantástico, os índios desta tribo, convidam as tribos amigas para evocarem juntas, as almas dos mortos ilustres. Ainda noite, trazem da floresta vários toros de madeira, conforme o número dos que desapareceram que vão ficando em linha reta no centro do terreiro em frente às malocas onde são recortados na forma humana de cada um e pintam neles as respectivas insígnias que em vida os fazia distinguir pajés, guerreiros, caçadores ou até mesmo aqueles que maiores descendentes legaram à comunidade. Enquanto são executados estes trabalhos, alguns homens com arco e flechas entoam hinos aos mortos. Tudo pronto, aos gritos de há-ha, vão os homens às malocas e de lá voltam acompanhados das mulheres e crianças. As mulheres, de cabelos soltos, trazendo algumas frutas e guloseimas, em largas folhas de palmeira, outras, ricos cocares, plumagem de coloridos vivos, braceletes e colares, aproximam-se em passos harmoniosos dos kuarupes e em voz baixa como uns sussurros travam com eles um pequeno diálogo em que parecem exprimir toda a gratidão, falando-lhes das saudades que deixaram, oferecendo-lhes ao mesmo tempo os frutos e guloseimas, e enfeitando-os com os ricos cocares, as plumas, os braceletes. Quando a noite chega, os homens trazem da floresta archotes de palha incendiados, cuja luz violenta faz luzir os corpos untados de urucum em reflexos metálicos que desenham toda a beleza dos seus músculos. Inicia-se a dança do fogo, primeiro em passos cadenciados depois em um crescendo cada vez maior, ao ritmo do chocalhar dos maracás e das canções místicas, até se fazer ouvir a voz do pajé, numa evocação a Tupã, implorando fazer voltar à vida aqueles mortos ilustres. Neste exato momento a lua cheia se encontra em seu máximo esplendor. Terminando a evocação os homens se dispersam pelo terreno em pequenos grupos, enquanto só o pajé continua a entoar as suas loas até o alvorecer. De novo voltam às mulheres para ouvirem os cânticos que lhes anunciam ter o sol feito voltar à vida os mortos ilustres. Então começa a dança da vida com os atletas da tribo, cada um trazendo ao ombro uma longa vara verdejante, símbolo dos últimos nascidos na comunidade. Os atletas formam um grande círculo correndo em volta dos kuarupes ao mesmo tempo em que em gestos e curvaturas os reverenciam. Depois o grande círculo se divide em dois e logo cada qual se dissolve em vários grupos representando a sua respectiva tribo. Acontece um momento de intenso silêncio, homenagem a estes últimos nascidos. Finda a homenagem, as diversas tribos executam uma luta que denominam “Uka-uka”. Encerram a cerimônia em que os Kuarupes são, em festiva procissão, levados para o rio, e lá, entregues às suas águas.

Dentro da pesquisa, achei materiais sobre os rituais indígenas, sobre suas lendas, e a vivencia dentro dessas celebrações, o mais interessante, creio é a formação de grupos de teatro indígenas, que tem acontecido nos últimos anos, principalmente através de Pontos de Cultura das regiões Norte/Nordeste do Brasil. As peças criadas e encenadas pelos indígenas muitas vezes são apresentadas no Toré que é uma manifestação sociocultural comum a vários grupos indígenas das regiões Norte e Nordeste do Brasil. É dançado ao ar livre por homens e mulheres que, aos pares, formam um grande círculo que gira em torno do centro. Cada par, ao acompanhar os movimentos, gira em torno de si próprio, pisando fortemente o solo, marcando o ritmo da dança, acompanhado por maracás, gaitas, totens e amuletos e pelo coro de vozes dos dançarinos, que declamam versos de difícil compreensão, puxados pelo guia do grupo, no idioma da tribo. É um ritual que expressa contentamento, sobre diferentes aspectos como: festas religiosas, louvação aos encantados, recepção a personalidades ilustres, confraternização, casamentos, batizados e outros. É uma forma de manter viva não apenas a cultura, a magia e a mística da tribo, mas também da conquista do seu espaço e a preservação de seus costumes e de sua identidade diante de muitas lutas durante toda a história do Brasil. O primeiro “Terra Toré” aconteceu no contexto do “Abril indígena”, momento em que os povos indígenas de todo Brasil se encontram em Brasília para fazer reivindicações referentes aos direitos no campo, da demarcação das terras indígenas e atendimentos às políticas voltadas para educação, saúde e subsistência especifica e diferenciada para diversas populações indígenas de todo o Brasil. Esses povos puderam refletir sobre a importância do território para sua sobrevivência física, cultural e espiritual, e tratar sobre as questões ligadas à espiritualidade na relação com a terra. O Núcleo de Teatro do Ponto de Cultura Estação da Cultura apresentou, no segundo dia do encontro, “Federika: O Arlequim guerrilheiro”, desenvolvendo a técnica de teatro ritual ou teatro de terreiro, que levou uma linguagem cênica em consonância com o encontro “Terra Toré”. Coordenadores do ponto de cultura Estação da Cultura, de Arco Verde – PE, e com o apoio dos índios jovens Pankararu formaram um grupo de Teatro. E a primeira peça que desenvolveram, é baseada encima da historias e contos Pankararu, contadas pelos índios mais velhos. A peça fala sobre, os jogos e brincadeiras de antigamente, as belezas Pankararu, e a historia de Leonor, que foi uma índia Pankararu, que os mais velhos contam que ela ficou presa em uma loca de pedra, e depois se encantou. E o objetivo desses jovens, é que essas coisas vivenciadas e contadas, pelos índios detentores dos conhecimentos tradicionais Pankararu, sejam apreciadas em forma de arte. E com isso preservar e fortalecer, suas identidades étnicas, e que essa cultura, que já é resistente e vivenciada na atualidade, fique preservada para futuras gerações. Assim mostrar para outros jovens, a importância de ter uma cultura diferente e especifica, e valorizar e respeitar os índios mais velhos, pois eles são os verdadeiros detentores dos conhecimentos tradicionais Pankararu, e se não fosse eles fatalmente, hoje o povo Pankararu, não teria uma cultura fortalecida e tão presente, em seus cotidianos. Pois alem da visita dos coordenadores da Estação da Cultura, também veio através deles, o convite, para o Grupo de Teatro Pankararu, se apresentar, na Aldeia de Simbres, povo Xukuru de Ororuba, município de Pesqueira – PE. Nessa apresentação, se fez presente representantes dos 10 povos indígenas de Pernambuco. Esse evento tem outros objetivos alem das apresentações teatrais, os outros povos indígenas também apresentaram peças, falando de suas culturas, mas o foco das discussões foi a política cultural especifica para os povos indígenas.

Trabalho. Paola

Post. André de Jesus

Nenhum comentário:

Postar um comentário