Henk Tjon é um dos grandes conhecedores da cultura das populações da Amazónia e um especialista das suas línguas. É também um homem de teatro, escritor e investigador. No Suriname é um símbolo do mundo intelectual. Fala-nos do olhar dos ameríndios sobre a sua História.
A História do Suriname, tal como divulgada pelos antigos colonos, estará cheia de falsidades se tivermos em conta as informações transmitidas de geração em geração nas comunidades indígenas. A primeira é que os ameríndios eram demasiado fracos e desfaleciam e foi por isso que se fizeram vir negros de África. Não. Muito simplesmente os europeus ocuparam este país e obrigaram os seus habitantes a trabalhar em condições desumanas. E a revolta estalou desde o início. Quando Alonso de Ojeda chegou à região em 1499, não ficou. Em 1593, Domingo de Vera, recebido dignamente pelo Pyai, rei e ao mesmo tempo líder espiritual da população indígena, agrediu o seu hospedeiro cortando-lhe uma orelha, porque considerou intragável a água que lhe foi oferecida. Mas de Vera e os seus homens tiveram de retirar-se rapidamente. Vários deles perderam então a vida. Depois disso a presença europeia reduziu-se a passagens furtivas. Até à chegada em 1662 de Lord Willoughby, a quem o Príncipe de Gales doou este território. “Outra grande mentira”, indica Henk Tjon.
Na verdade, contam os índios, de Vera solicitou aos seus antepassados autorização para instalar um entreposto. “Ele chegou portanto como uma serpente ao país.” De Vera deixou então entrar sub-repticiamente os estrangeiros em pequenos grupos. Quando o seu artifício foi descoberto, foi expulso. Voltou pedindo perdão e prometendo emendar-se. Foram os holandeses que acabaram por instalar a colónia, mas a luta dos índios nunca parou até à independência em 1975.
Tjoen explica porque é que entre os territórios da América do Sul, o do actual Suriname era para os ameríndios um símbolo a defender a todo o custo. Os índios acreditavam nas virtudes do Deus Sol. A Amazónia era o seu local privilegiado. Ora o Suriname é o local do continente onde já se vêem os raios de Sol quando o astro está situado sobre África. O gavião real (águia harpia), Anuwana na língua caraíba, era venerado porque representava o espírito do Sol nascente. É por isso que o Suriname, local de peregrinação para os fiéis do continente, que lhes prometia cama e mesa, adquiriu o nome de “nação de todos os povos”. Para pertencer a esta terra*, bastava entregar-se à terra**, ou seja, enterrar aí o seu cordão umbilical, que estava guardado e protegido muitas vezes desde o nascimento da criança.
Muito antes da chegada de Cristóvão Colombo, o Pyai teve uma visão de enormes pássaros que iriam chegar, trazendo nos seus flancos monstros brancos do mar. Seguir-se-ia um período de 500 anos de morte, guerra e desolação. Haveria sofrimentos e genocídios. E depois os povos libertar-se-iam. O que chocou os índios do Suriname foi que os recém-chegados fossem instalados sem os seus cordões umbilicais, sem darem o corpo à terra. Se não, ter-se-iam tornado simplesmente Surinen. “Como toda a gente”, conclui Tjoen.
Nenhum comentário:
Postar um comentário